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Fronteira Cerrado: o coração hídrico do Brasil sob ameaça

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Fronteira Cerrado: o coração hídrico do Brasil sob ameaça
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Com mais de 100 mil habitantes e o terceiro maior PIB do estado, a cidade de Balsas, no extremo sul do Maranhão, está entre os campeões do desmatamento do Cerrado. Foi o segundo município que mais desmatou no país nos últimos dois anos, segundo o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD 2024), do MapBiomas.



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Ao mesmo tempo, Balsas abriga as nascentes da segunda mais importante bacia hidrográfica do Nordeste: a Bacia do Rio Parnaíba. 



Há 25 anos, a cidade passa por uma transformação radical: ela é um dos epicentros da expansão agropecuária no Brasil que, segundo estudos, impulsiona o desmatamento do Cerrado e contribui para colocar em risco a segurança hídrica do Brasil.




Essa é a primeira reportagem da série especial da Radioagência Nacional que investiga como o avanço do desmatamento no Cerrado, atrelado ao agronegócio, afeta os recursos hídricos do país. Todos os dias desta semana, confira um conteúdo novo pela manhã.




Nascentes secando no Vão do Uruçu



Após percorrer mais de 300 km sem sair do município de Balsas em meio a lavouras de monoculturas, a reportagem conheceu o Vão do Uruçu, região de comunidades tradicionais onde estão parte das cerca de 50 nascentes do Rio Balsas.



 




Balsas (MA), 10/10/2025 – O agricultor familiar José Carlos do Santos observa uma das nascentes do Rio das Balsas seca, em Limpeza, nos Gerais de Balsas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil


Balsas (MA), 10/10/2025 – O agricultor familiar José Carlos do Santos observa uma das nascentes praticamente secas do Rio Balsas. - Fernando Frazão/Agência Brasil



Entre os moradores, é generalizado o temor pelo futuro das águas do Cerrado. Como no caso do agricultor familiar José Carlos dos Santos, de 52 anos. Ele levou a equipe até algumas das nascentes do Rio Balsas. Em uma delas, agora existe apenas o barro úmido.




“Essa nascente aqui, era água com abundância. Hoje a gente vê que nosso rio está pedindo socorro. E a gente depende dessa água para sobrevivência. E a gente tá correndo atrás de uma solução para barrar o desmatamento e as grandes lavouras que existem na costa do rio”.




A análise dos moradores do Vão do Uruçu é confirmada por dados do Serviço Geológico Brasileiro. Medição de sete rios da região do Piauí e do Maranhão, incluído os rios Parnaíba e Balsas, mostra a queda sustentada nas vazões dos cursos d’água desde a década de 1970.



Já estudo da Ambiental Media calculou que a Bacia do Parnaíba, onde está o Rio Balsas, perdeu 24% da vazão média em 40 anos



Em agosto deste ano, o governo federal anunciou o investimento, via PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, de R$ 995 milhões para revitalização do Rio Parnaíba. 



Crise hídrica silenciosa



O geógrafo Ronaldo Barros Sodré, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), destaca que há uma crise hídrica silenciosa em andamento. 



“A expansão da fronteira agrícola sobre o sul e também sobre o leste do Maranhão tem provocado o desaparecimento de nascentes, a redução dos diversos cursos d'água e configurando, assim, uma crise hídrica que é silenciosa, mas crescente”.



Ainda assim, para ele, a agropecuária pode ser compatível com a sustentabilidade hídrica: “desde que também venha somar com práticas agroecológicas de integração da lavoura e pecuária com floresta. Isso significa ouvir, incluir comunidades tradicionais que historicamente são guardiões das águas”.



Apontado como um dos poucos empresários que demonstra interesse na preservação dos cursos d'água, o fazendeiro Paulo Antônio Rickli, de 56 anos, chegou a Balsas no início da expansão agrícola, em 1995. Ele conta que antes, no Vão do Uruçu, “tudo era fechado pelo Cerrado”. 




“Infelizmente, o pessoal veio com outra mentalidade, de aproveitar o máximo. Diminuiu muito o Cerrado de 2018 para cá. Muita gente que até tinha as áreas preservadas resolveu ir até o limite, e alguns excederam o limite”.




Para o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Balsas (Sindi Balsas), Airton Zamingnan, os benefícios sociais e econômicos superam os prejuízos ambientais. 



“Se pegou a região mais pobre do estado mais pobre do Brasil, e hoje se fosse um estado essa região sul, seria a mais rica. Se aproxima mais do Centro-Oeste do que do Nordeste. Temos, no Maranhão, entre 33 e 34 milhões de hectares. Nós não usamos 980 mil no sul do Maranhão. Isso em percentual do estado sabe quanto dá? 2,9%”.



Para a presidente da Associação Camponesa (ACA) do Maranhão, Francisca Vieira Paz, “o agronegócio é uma ilusão de desenvolvimento”. 



“Se não barrar esse modelo excludente que o pessoal chama de desenvolvimento, vai chegar ao final, daqui a mais 20 anos, e as pessoas vão se perguntar: desenvolvimento para quem? E destruição para todos”.



Agronegócio: caminho sem volta



A secretária de Meio Ambiente de Balsas, Maria Regina Polo, reconhece que existe um problema hídrico na região. No entanto, ela pondera que a maior parte do desmatamento ocorre de maneira legal, já que a lei permite retirar até 80% da vegetação nativa do Cerrado de áreas privadas. E argumenta que o agronegócio é um caminho sem volta. 




“Balsas é uma cidade que tem uma economia totalmente voltada para o agro. Nós temos é que, cada vez mais, deixar esse agro sustentável, com um aproveitamento melhor das propriedades, incentivando a abrirem menos áreas, apesar de que essas aberturas têm sido, na sua grande maioria, licenciadas”. 




O governo do Maranhão defende que o desafio é equilibrar crescimento econômico com sustentabilidade ambiental. O secretário de Meio Ambiente, Pedro Chagas, citou ações para recuperação de nascentes, como o programa Floresta Viva, mas falou que o desmatamento não é o único causador dos problemas hídricos.



“Sabemos que não é só por conta do desmatamento, seja legal ou ilegal, com os ilegais sendo fiscalizados de pronto. Mas por conta das mudanças climáticas. Esse ano, por exemplo, tivemos a pior seca dos últimos oito anos no Maranhão”. 



O Maranhão é o campeão de desmatamento do Brasil, segundo dados do governo federal.



 



*Com produção de Beatriz Evaristo e sonoplastia de Jailton Sodré



**A produção dessa série foi viabilizada a partir da Seleção de Reportagens Nádia Franco, iniciativa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que destinou R$ 200 mil para o custeio de conteúdos especiais produzidos por jornalistas da empresa.



***O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) custeou as passagens áreas da equipe até Imperatriz (MA).


6:36

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